17 setembro 2025

MNTR - GESTO

 

Gosto da ideia de incluir nesse relatório aula-a-aula, uma descrição das atividades desenvolvidas em sala. Tanto para compreender o processo de ensino/aquisição do conhecimento, como para fornecer um guia, um mapa de “por onde começar” em uma aula futura.

Luah iniciou com um Flow convocando a atenção dos estudantes para os princípios da técnica Viewpoints: olhar macio, visão periférica, escuta extraordinária, resposta cinestésica e (?). A partir deste jogo, os estudantes eram chamados a prestar atenção: “Visão periférica!” “Edite a vis”ao!” (no sentido de não ficarem obcessivos em enxergarem tudo e perderem o princípio de olhar macio), brincar de “Starts & stops” (atentar de que maneira a resposta cinestésica afeta essa dinâmica), “Ficar aberto ao jogo, ao Acontecimento!”, “Engajar o corpo no processo!”

Às vezes os estudantes experienciavam faíscas de algo que alterava a relação tempo-espaço. Experimentavam a duração, outro princípio da técnica. Quanto tempo dura um Acontecimento, provocou Luah? Saber deixar ir também é importante.

 

Fiquei me perguntando apenas se o Flow deveria ser a primeira coisa a se praticar já na chegada de um treino. A ideia de Flow, de fluxo carrega a imagem de um escoamento como resultado de um movimento contínuo de algo que segue um curso. Me parece fazer mais sentido desembocar em um flow, como consequência orgânica de uma conexão do coletivo.

Na segunda parte da aula foi trabalhada  a categoria do Gesto.  Tempo individual para investigação de gestos comportamentais/cotidianos e expressivos. ainda como parte de um jogo em fluxo. Algo simples, curto, fruto de um impulso interno, de uma espécie de espasmo. Isolado pode parecer meio sem graça e bobo. Mas em partitura e em relação com outros Gestos, ganha contornos mais interessantes.

Às vezes os alunos se perdiam um pouco no processo. Sinto que se os enunciados fossem dados mais passo a passo, poderia ajudar na incorporação paulatina do que está sendo solicitado. Dar mais tempo para o decantamento das coisas.

           

“Gesto não é mímica!”

 

Depois de um tempo de pesquisa, os aprendizes foram orientados a selecionar um Gesto com começo, meio e fim. Divididos em grupos de 4 ou 5, cada integrante ensinou seu gesto aos demais. A ideia aqui era compreender no corpo a “atitude” do gesto alheio, a qualidade que o corpo do colega empregava em si e tentar reproduzir no seu próprio corpo.

Ao final cada grupo apresentou-se para o restante da turma. Enfileirados em pé, eles foram encorajados a seguirem atentos aos princípios da técnica. Para cada grupo, Luah selecionou uma sonoridade, com a qual eles teriam de dialogar na apresentação da partitura coletiva que criaram.  

 


03 setembro 2025

MNTR- GRÁVIDOS

Eu chego no meu primeiro dia de monitoria na disciplina de Improvisação com Viewpoints, ministrada por Luah Guimarães no segundo semestre com um trabalho já em andamento.

Luah me deixa à vontade para estar nesse espaço como quiser: poderia observar ou fazer a aula junto com os alunos. Escolhi observar. Observar a turma, perceber seus desafios e potenciais e observar, sobretudo, como a professora pensa e conduz o treinamento.

Os princípios do Viewpoints vem sendo praticados pela turma nas últimas quatro semanas. As sessões abertas e a raia divididas em dois grupos cada serviu como uma oportunidade de verificação de quanto os princípios estão sendo apreendidos.

A turma parece interessada, mas padece de um mal que não é privilégio exclusivo dela. São maus do nos tempo: dificuldade de concentração, de aquietar, de permanecer em uma qualidade de silêncio que sustente o spaço de criação, dispersão fácil e medo de errar. A ideia de vazio, de engravidar-se de si mesmo antes de entrar em um set, que e tanto diz a Luah fala,  ainda é frágil.  Por outro lado, estamos apenas na 5/20 semana. Colocado em horas, foram 7,5h de prática até aqui. É pouco, muito? É tempo suficiente já?

Quando e como a gente se prepara para entrar em um set?  De quais estratégias cada um se vale para esvaziar-se? Quanto tempo cada um precisa? Como articular essa dinâmica do tempo individual e coletivo? De que forma o orientador contribui ou atrapalha nesse processo?

Como nesse dia a assistência se mostrou inquieta com conversas e olhadelas no celular, fiquei pensando se a assistência também engravda-se para assistir a um set. Qual o papel da assistência neste processo?


21 agosto 2025

NIT - SOBRE AULAS QUE NÃO APRENDEMOS A DAR


Eu voltei para o NIT uma semana depois do retorno dos encontros e sem muita convicção.

Escrevo este texto na sequência do último post. A escrita sobre o semestre passado me deixou uma sensação muito melhor do que eu lembrava.

Eu já meio que tinha me conformado com esse lugar de observação, sem saber ao certo em que deveria me atentar, quando, em uma dessas quintas, um dos adolescentes abandonou aos prantos a atividade que a Michelle estava conduzindo.

Bullying, tristeza, medo, solidão, isolamento, culpa, sexualidade, dificuldade nos estudos, incompreensão dos pais: seguiu-se um longo e dolorido relato das muitas dores que um corpo ainda tão jovem já atravessa — violências que muitos adultos não suportariam.

Me senti sem ferramentas para fazer qualquer coisa além de escutar. Onde foi que perdi a lição sobre o que fazer nessas situações? Que jogo teatral se aplica quando esse tipo de coisa acontece?

Escutei o garoto com atenção, carinho e solidariedade. Coloquei-me à disposição, disse que ele não estava só, que era querido — pelo menos ali no teatro — que era amado, e que podia contar com a gente. O que mais eu poderia fazer naquele momento senão assegurar que ali aquele menino tinha um lugar onde podia se sentir bem consigo mesmo, ainda que apenas algumas horas na semana?

Depois de algum tempo, voltamos para a sala. Ele segue meio isolado ainda — mesmo aqui no grupo do NIT. Mas continua vindo.

23 julho 2025

RCT - FILOCTETES EM LENNOS

Semanas atrás, fui assistir a Filoctetes em Lennos, espetáculo concebido por Vinícius Torres Machado e dirigido por Marina Tranjan, em cartaz no Sesc Pompeia.

Foi, sem dúvida, uma das experiências mais impactantes que já vivi no teatro.

Este texto não é uma crítica formal, tampouco uma divulgação da peça. É um compartilhar. Um exercício de eco e escuta — daquilo que reverberou em mim.

 

🟡 O CORPO QUE NÃO CABE NA GUERRA

A peça parte da narrativa do herói grego Filoctetes, abandonado pelos companheiros a caminho de Tróia. A razão do abandono? Uma ferida aberta que não cicatrizava, o cheiro da carne em decomposição e os gritos incessantes de dor.

Durante nove anos, Filoctetes habita sozinho a ilha de Lemnos. Ele se torna, antes de tudo, o corpo que incomoda. Que atrapalha. Que fede. Que sangra. Um corpo que a guerra não tolera.

 

🟡 VINÍCIUS E FILOCTETES: A ENCARNAÇÃO DA DOR

A encenação se concentra nesse tempo do exílio. Mas o que torna a obra ainda mais contundente é o cruzamento entre o mito e a biografia do próprio Vinícius, que pela primeira vez se coloca em cena como performer.

Vinícius é diretor e pesquisador, e seu corpo carrega as marcas de um tratamento longo e violento contra um câncer agressivo. Há vinte anos, convive com uma ferida que não cicatriza. Ele não interpreta a dor — ele é a dor. Uma dor não encenada, mas atravessada. Crua. Matéria viva.

A peça expõe a fragilidade da vida, sua potência e seu abismo.

 

🟡 O VAZIO COMO CENA

O início é árido, e não por acaso. Filoctetes está sentado à extremidade de uma mesa. A cena se sustenta em silêncio. Pode-se imaginar que ele espera alguém. Mas não há ninguém. Nenhuma outra cadeira. Nenhuma promessa.

Ele não espera. Ele apenas está.

E o desconforto que sentimos vem da ausência de estímulos. Não há “isca” para o espectador. Nenhuma tentativa de agradar. O que vemos não é um personagem em ação — é o nosso tempo sendo desprogramado.

Aos poucos, percebemos que a cena não é sobre um homem isolado em uma ilha. É sobre nós — irmanados na mais íntima das solidões. Aquela que não emerge apenas na ausência de companhia, mas na exposição radical da existência.

 

🟡 O SILÊNCIO COMO CORAGEM

Durante todo o espetáculo, Vinícius não diz uma palavra. Não verbaliza, não oraliza. E mesmo assim, tanto é dito.

Filoctetes em Lennos é um ato de coragem. O silêncio sustentado cria um espaço raro para que o espectador frua com densidade. Há tempo. Tempo para contemplar. Para decantar. Para sentir.

Vivemos uma época de urgência e saturação. Na chamada “economia da atenção”, o que está em disputa, na verdade, é nosso tempo. Nosso tempo de vida. E, como o teatro está no mundo, muitos espetáculos acabam se convertendo em discursos apressados, carregados de palavras que pouco dizem, estéreis mesmo. Sem pausa. Sem contradição. Sem silêncio.

Este espetáculo nos devolve um tempo desacelerado. Um tempo outro. Um tempo que permite o surgimento da interioridade.

 

🟡 UM PEQUENO MILAGRE

Filoctetes em Lennos é, talvez, um pequeno milagre. Não pelo tamanho,, mas pela escuta que propõe. Pela reverência ao mistério da existência. E de que isso não pode ser perturbado.

A peça retorna em cartaz em setembro, no TUSP.

Vá.

26 junho 2025

NIT - SOBRE AUSENCIAS,SSTOS E ENFRENTAR OS PRÓPRIOS MEDOS

 



No semestre passado eu deixei de escrever muita coisa sobre a experiência de acompanhar o Núcleo de Iniciação Teatral para Estudantes do Ensino Médio (NIT) da Escola Livre de Teatro (ELT).

O último post foi em 19 de abril de 2025. Fiquei um mês sem aparecer no Núcleo, envolvido, entre outras coisas, com os ensaios e a reestreia do espetáculo Croulos.
Do que me lembro, foi um susto quando retornei. Havia uma enormidade de textos e cenas propostos e levantados pelos adolescentes nesse período. De acordo com a Michelle, todo o material apresentado veio inteiramente dos estudantes.


Lembro de sentir que não havia muito lugar para mim ali, a não ser observar. A autonomia havia sido conquistada enquanto estive fora. Minha participação no primeiro semestre foi bastante pálida. Eu não entendia muito bem o meu papel ali, nem me sentia seguro para propor qualquer coisa, mesmo um simples jogo. Vez ou outra eu fazia um comentário para encorajar os aprendizes ou participava dos jogos propostos pela Michelle, como que para, eventualmente, apoiá-los.


Os dias que se seguiram foram de ensaios para a Mostra de Processos da ELT. O material levantado se constituiu em uma espécie de colcha de retalhos de temas diversos relacionados ao tema anual.
As duas apresentações na Mostra foram cheias de nervosismo, expectativa e alegria por parte deles. Para muitos, esta foi a primeira experiência teatral. As apresentações foram seguidas de bate-papo com o público, e todos estavam muito animados para ouvir os comentários que vieram.


A pedido da Michelle, conduzi o último encontro do semestre. Fiquei bastante nervoso com essa possibilidade. Fui da observação à condução em um só salto. Pedi ajuda do site GPT  para elaborar uma proposta de encontro de retrospectiva e avaliação do semestre e, dp, fiz ajustes. Fizemos uma longa roda de conversa sobre a experiência de cada um durante o semestre. Foi um momento bem bonito de partilha sensível, com relatos sobre as dificuldades que eles vivem na escola e em suas famílias. Sinto que meu papel foi o de estabelecer uma escuta ativa e atenta. Procurei dar devolutivas na medida em que me sentia confortável. Encerramos com cada um escrevendo uma nuvem de palavras sobre essa experiência.