CARTA
São Paulo, 07 de junho de 2025
Eu preciso confessar uma coisa: não sei se entrei
nesse caminho da educação pelas motivações mais nobres. Eu nunca quis, na real.
Não por não entender sua importância — sobretudo em um país como o nosso, para
pessoas como eu. Mas é que nunca acreditei ser capaz de fazer algo. Não me
sentia hábil, competente, suficiente, talvez. Às vezes ainda me sinto assim.
Se bem me lembro, foram três acontecimentos que me
trouxeram até aqui, cursando Licenciatura em Teatro na Célia Helena.
O primeiro foi uma experiência absolutamente
desastrosa. Propus uma oficina como contrapartida em um projeto contemplado por
um edital público em 2023. A ideia era que fosse destinada a artistas da cena,
com alguma experiência. Mas tudo mudou quando organizei grupos de adolescentes
para assistirem à peça e conheci uma ONG que atuava com jovens em alta
vulnerabilidade social, egressos da Fundação Casa ou sob medidas
socioeducativas. Fez sentido adaptar a proposta para aquele público. Acreditei
que o teatro poderia contribuir de alguma forma para transformar realidades tão
duras.
Foi um fracasso total. Eu não estava preparado, nem
para a oficina em si, nem para lidar com aquele público. Em menos de meia hora,
eu já estava recuado no canto da sala, sem ser escutado, com os participantes
correndo aos berros, brigando, dançando funk, ignorando minha presença.
Tenebroso. Nunca mais voltei lá. Você já teve alguma experiência assim? Já
sentiu que fracassou a ponto de querer fugir?
Passado o impacto, e diante da minha ignorância e
inabilidade, decidi frequentar o Núcleo de Pedagogia Teatral para Infâncias e
Adolescências da Escola Livre de Teatro de Santo André (ELT), coordenado pela
Lígia Helena. Queria aprender algo que me ajudasse numa próxima tentativa. Quem
frequentava o núcleo já atuava como arte-educador, então era mais um espaço de
trocas e acolhimento. Minha presença ali era de escuta. Eu queria entender o
que tinha acontecido e me fortalecer. Aquele episódio me mostrou o quão
despreparado eu estava para a tarefa que propus. Fui com fé no poder do teatro
— só isso. Ingenuidade minha.
Por seis meses, semanalmente, ouvi relatos de
frustrações, pequenas alegrias no processo de lecionar, os desafios com as
instituições, as razões que os mantinham em pé e os baques que os faziam pensar
em desistir. Algo em mim foi sendo tocado. No início, só queria ferramentas
para não sucumbir de medo numa próxima oficina. Mas aos poucos fui considerando
seguir nesse caminho, talvez até construir uma trajetória ensinando. Sem
romantismos, sem salvar ninguém — mas acreditando em mim, no teatro, no teatro
em e através de mim. Esse foi o segundo acontecimento.
O terceiro é bem pragmático, e parece haver um tabu em
dizer isso, como se fosse indigno: estou envelhecendo, e a licenciatura pode
oferecer uma segurança financeira para continuar sendo o artista que quero ser.
Não é segredo o quão adversa — e muitas vezes hostil — é a vida de um artista
fora da indústria cultural. Eu amo estar em cena, é onde me sinto mais feliz,
preenchido de sentido, em contato com uma espécie de transcendência. São muitos
altos e baixos, sim, mas construindo um caminho que faz sentido. Só que a vida
exige decisões práticas. E isso também pesa. Como isso funciona pra você?
Nas aulas da Luana Freire, em Estudos sobre o
Ensino do Teatro, tenho encontrado outras inspirações. Me tocam as palavras
de Paulo Freire, bell hooks, Rubem Alves e Ana Mae Barbosa. Me inspiro na
memória dos mestres — de ontem e de hoje — que me ensinaram um caminho, um
ofício, uma paixão.
Ainda estou entendendo o que é essa nova possibilidade
artística: a arte-educação. Às vezes me sinto apaixonado e esperançoso. Logo
depois, o medo toma conta: “e se eu não for bom o suficiente?”, “e se eu não
souber ensinar?”, “e se eu me perder?”. Tenho medo de não conseguir transformar
o que aprendo em uma trajetória consistente e respeitada.
No futuro, acho que gostaria de trabalhar com crianças entre 7 e 12 anos
— é uma suspeita. Hoje, estou fazendo um estágio voluntário com adolescentes de
15 a 17 anos no curso livre do Núcleo de Iniciação Teatral da ELT. Tem sido bom
acompanhar o processo deles, trocar com a professora Michele Lomba, que tem
muita experiência, e ir acalmando meus medos.
Tenho vontade de dirigir também — ainda não sei se
atores profissionais, iniciantes ou apenas interessados em experimentar. São
muitas possibilidades. Mas a vontade de dirigir é certa.
Aos poucos, timidamente, começo a me ver nesse lugar.
A imagem do futuro ainda é embaçada. Me concentro no que é concreto: o curso,
as aulas do dia, as conversas com colegas e professores, as leituras, as
reflexões. É o que tenho à mão agora.
você? Como se
sente em relação ao presente? E ao futuro? Com o que sonha? Como tem lidado com
as dificuldades que se apresentam?
PS: texto produzido como avaliação do 2º bimestre da disciplina Políticas nacionais de Ensino, ministrada pela ProfB Beth Belloti, do curso de Liecenciatura em teatro da escola Superior de artes Célia Helena.
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