21 maio 2025

CARTA


São Paulo, 07 de junho de 2025

 

Eu preciso confessar uma coisa: não sei se entrei nesse caminho da educação pelas motivações mais nobres. Eu nunca quis, na real. Não por não entender sua importância — sobretudo em um país como o nosso, para pessoas como eu. Mas é que nunca acreditei ser capaz de fazer algo. Não me sentia hábil, competente, suficiente, talvez. Às vezes ainda me sinto assim.

Se bem me lembro, foram três acontecimentos que me trouxeram até aqui, cursando Licenciatura em Teatro na Célia Helena.

O primeiro foi uma experiência absolutamente desastrosa. Propus uma oficina como contrapartida em um projeto contemplado por um edital público em 2023. A ideia era que fosse destinada a artistas da cena, com alguma experiência. Mas tudo mudou quando organizei grupos de adolescentes para assistirem à peça e conheci uma ONG que atuava com jovens em alta vulnerabilidade social, egressos da Fundação Casa ou sob medidas socioeducativas. Fez sentido adaptar a proposta para aquele público. Acreditei que o teatro poderia contribuir de alguma forma para transformar realidades tão duras.

Foi um fracasso total. Eu não estava preparado, nem para a oficina em si, nem para lidar com aquele público. Em menos de meia hora, eu já estava recuado no canto da sala, sem ser escutado, com os participantes correndo aos berros, brigando, dançando funk, ignorando minha presença. Tenebroso. Nunca mais voltei lá. Você já teve alguma experiência assim? Já sentiu que fracassou a ponto de querer fugir?

Passado o impacto, e diante da minha ignorância e inabilidade, decidi frequentar o Núcleo de Pedagogia Teatral para Infâncias e Adolescências da Escola Livre de Teatro de Santo André (ELT), coordenado pela Lígia Helena. Queria aprender algo que me ajudasse numa próxima tentativa. Quem frequentava o núcleo já atuava como arte-educador, então era mais um espaço de trocas e acolhimento. Minha presença ali era de escuta. Eu queria entender o que tinha acontecido e me fortalecer. Aquele episódio me mostrou o quão despreparado eu estava para a tarefa que propus. Fui com fé no poder do teatro — só isso. Ingenuidade minha.

Por seis meses, semanalmente, ouvi relatos de frustrações, pequenas alegrias no processo de lecionar, os desafios com as instituições, as razões que os mantinham em pé e os baques que os faziam pensar em desistir. Algo em mim foi sendo tocado. No início, só queria ferramentas para não sucumbir de medo numa próxima oficina. Mas aos poucos fui considerando seguir nesse caminho, talvez até construir uma trajetória ensinando. Sem romantismos, sem salvar ninguém — mas acreditando em mim, no teatro, no teatro em e através de mim. Esse foi o segundo acontecimento.

O terceiro é bem pragmático, e parece haver um tabu em dizer isso, como se fosse indigno: estou envelhecendo, e a licenciatura pode oferecer uma segurança financeira para continuar sendo o artista que quero ser. Não é segredo o quão adversa — e muitas vezes hostil — é a vida de um artista fora da indústria cultural. Eu amo estar em cena, é onde me sinto mais feliz, preenchido de sentido, em contato com uma espécie de transcendência. São muitos altos e baixos, sim, mas construindo um caminho que faz sentido. Só que a vida exige decisões práticas. E isso também pesa. Como isso funciona pra você?

Nas aulas da Luana Freire, em Estudos sobre o Ensino do Teatro, tenho encontrado outras inspirações. Me tocam as palavras de Paulo Freire, bell hooks, Rubem Alves e Ana Mae Barbosa. Me inspiro na memória dos mestres — de ontem e de hoje — que me ensinaram um caminho, um ofício, uma paixão.

Ainda estou entendendo o que é essa nova possibilidade artística: a arte-educação. Às vezes me sinto apaixonado e esperançoso. Logo depois, o medo toma conta: “e se eu não for bom o suficiente?”, “e se eu não souber ensinar?”, “e se eu me perder?”. Tenho medo de não conseguir transformar o que aprendo em uma trajetória consistente e respeitada.

No futuro, acho que gostaria de trabalhar com crianças entre 7 e 12 anos — é uma suspeita. Hoje, estou fazendo um estágio voluntário com adolescentes de 15 a 17 anos no curso livre do Núcleo de Iniciação Teatral da ELT. Tem sido bom acompanhar o processo deles, trocar com a professora Michele Lomba, que tem muita experiência, e ir acalmando meus medos.

Tenho vontade de dirigir também — ainda não sei se atores profissionais, iniciantes ou apenas interessados em experimentar. São muitas possibilidades. Mas a vontade de dirigir é certa.

Aos poucos, timidamente, começo a me ver nesse lugar. A imagem do futuro ainda é embaçada. Me concentro no que é concreto: o curso, as aulas do dia, as conversas com colegas e professores, as leituras, as reflexões. É o que tenho à mão agora.

 você? Como se sente em relação ao presente? E ao futuro? Com o que sonha? Como tem lidado com as dificuldades que se apresentam?


PS: texto produzido como avaliação do 2º bimestre da disciplina Políticas nacionais de Ensino, ministrada pela ProfB Beth Belloti, do curso de Liecenciatura em teatro da escola Superior de artes Célia Helena.

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